quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Três fios de corda

(Finalmente, chegámos à 8.ª e última parte do meu projecto, “Sete para sete”.)



“Três fios de corda”
(Domingo)

R. R. R.
            Não rrr, como um rosnar, mas sim R-R-R.
            Rute, Raquel e Rebeca.

            Três mulheres, três vozes, três sentires.

            Rute, Raquel e Rebeca.
            R. R. R.


Rute


            Rute era a filha mais velha duma família que se tinha pretendido numerosa, mas da qual só restavam cinco elementos: o pai, a mãe e três filhos.
            A mãe tinha parido 11 vezes, mas só três vingaram: Rute, Jacinto, o quarto filho, e Viriato, o sétimo filho: todos os restantes, Teodora, Quitéria, Estevão, Bernardo, Adalgisa, Octávio, Ilda e Maria dos Anjos, tinham, de uma maneira ou de outra, falecido. Aliás, à última tinha-se convencionado chamar Maria dos Anjos, pois ela era ainda tão pequenina, mas tão pequenina quando o bom Deus entendeu chamá-la para a sua beira, que ainda não tinha sido baptizada: daí o seu nome, Maria dos Anjos.
            Não obstante Rute aparentar ser uma menina como os pais queriam que fosse, obediente e trabalhadora, uma coisa ela tinha, que não mostrava a ninguém e da qual fazia um segredo fechado a sete chaves: uma vontade indómita de sair dali, mudar de vida, deixar a casa dos pais.
            Apesar de não se poderem considerar abastados, a família de Rute sempre tinha algumas posses, nomeadamente alguns terrenos, suficientes para lhe proporcionar um dote mais do que razoável.
            Assim sendo, mal a Rute menina desabrochou na Rute mulher, logo o pai, o Sr. Cristóvão, com o consentimento da mãe, a D. Geraldina, tratou de procurar um futuro genro.
            Em total consciência do que a esperava, Rute rebelou-se. Em silêncio, é certo, mas rebelou-se – quem o pai pensava que era, para lhe procurar marido? … Se era ela que tinha que se casar, era a ela, Rute, e a mais ninguém, que competia a escolha.
            Após uma busca exaustiva – que tal o filho dos Macedo, o Albano? … Não, não, é muito velho… E que tal o Gaspar Carvalho? … Não, não gosta de trabalhar… Podia ser o cachopo dos Lopes, o Paulinho… O quê?! Nem pensar, ainda é muito criança… O Sebastião Monteiro? … Não… O Bartolomeu Castro? … Não… O Floriano Antunes? … Não… O Manuel Ribeiro? … Não… –, e quando já estavam seriamente a equacionar a hipótese de consagrar Rute ao serviço de Deus, eis que ambos os filhos, Jacinto e Viriato, entram a correr pela casa adentro com uma novidade: o filho do velho Xavier Fonseca, o jovem Eduardo, estava de volta da cidade, onde tinha estado a estudar. E voltava doutor! … O pai até já lhe tinha montado um consultório para poder exercer a profissão para a qual tinha andado a estudar. Finalmente ia haver um médico na terra.
            Perante esta notícia, o Sr. Cristóvão e a D. Geraldina entreolharam-se: e porque não? … Até que não era nada má ideia, ter um doutor na família.
            Mesmo que o rapaz fosse marreco, coxo e zarolho, sempre era doutor e como tal, haviam de ser mais que muitas as propostas efectuadas por pais com filhas em idade casadoira, o Sr. Cristóvão sabia. Mas também sabia que como a sua Rute não havia nenhuma: podia haver, e havia, raparigas com melhor dote, mas bonitas como a sua menina, não havia nem uma: cabelos da cor do mel com o brilho do pôr-do-sol, olhos da cor do céu em dia solarengo, lábios da cor da rosa mais vermelha, mãos e pés de criança pequena, linda como ela só. Um retracto da mãe, quando jovem.
            E na verdade o Sr. Cristóvão não se enganara: aquando da sua visita ao velho Xavier Fonseca, ficou a saber do já manifestado interesse de muitas famílias da região com filhas em idade casadoira, em convidar pai e filho para uma visitinha.
            Mas isso não obstou a que novo convite fosse efectuado.
            Antes de aceitar, o velho Xavier Fonseca fez questão de chamar o filho, o jovem Eduardo, e o Sr. Cristóvão não pode evitar uma sensação de alívio ao constatar que o rapaz não era nada feio, assustador ou repelente: antes pelo contrário, tinha até um aspecto muito decente: alto, mas não tanto como o Sr. Cristóvão, cabelo curto castanho-escuro, olhos rasgados castanhos, porte a modos que atlético.
            E uma visita ficou combinada, para dali a três semanas: o Sr. Cristóvão que desculpasse a demora, mas ele entendia, não entendia? … É que já tantas tantas pessoas tinham mostrado interesse em voltar a ver o meu Eduardinho… O senhor perceber, não percebe? … Ó Sr. Fonseca, por quem é… É claro que eu percebo! …
            É, ele percebia, percebia até muito bem: pai e filho tinham que, primeiro que tudo, avaliar a mercadoria, e depois, escolheriam a melhor oferta. O velho Xavier Fonseca não era parvo – se o fosse, não tinha feito a fortuna que fez da maneira que o fez.
            Mas isso não apoquentava o Sr. Cristóvão, pois ele sabia que a flor mais bonita dos arredores estava no seu jardim.
            Aquelas três semanas passaram a correr e na véspera do dia marcado, na austeridade do seu quarto, Rute pensava no que os pais lhe tinham dito: no dia a seguir iam receber duas visitas muito importantes, o Sr. Xavier Fonseca acompanhado do filho, o jovem Dr. Eduardo, recém-chegado da cidade. Ela, Rute, na qualidade de filha mais velha, teria que acompanhar os pais ao fazerem as honras da casa. Pois, pois… Como se ela não soubesse melhor… Oh, sim, Rute tinha perfeita consciência do objectivo final da tal visita: era para verem-na a ela, para a avaliarem, tal como se avalia um naco de carne na feira… Bom, o melhor era aguentar e fazer cara alegre: até que podia muito bem acontecer que não fosse tão mau como isso…
            Eduardo… O pensamento de Rute voltou-se para ele: já não o via há tantos anos… Como é que ele estaria agora? … Da última vez que o vira, ainda ela era uma criancinha que brincava com bonecas, sempre agarrada à barra da saia da mãe, enquanto que ele era um homenzinho, que já deixara para trás os calções.
Aquela noite Rute passou-a quase em branco, dando muitas e muitas voltas na cama.
O dia marcado, o tal dia, amanheceu ameno, sem nuvens carregadas de chuva no horizonte.
Rute vestiu o vestido previamente escolhido pela mãe, “veste este azul clarinho, que realça a cor dos teus olhos”, escovou o seu cabelo 100 vezes, tal como lhe ensinara a mãe, de maneira ficar brilhante, e deixou-o solto, rio de mel dourado.
Foi-lhe impossível evitar um sentimento de satisfação ao ler nos olhos, quer do pai, quer da mãe, a aprovação e, quiçá, orgulho.
Num grande reboliço, Jacinto e Viriato anunciaram com expectativa que eles vinham aí, estavam mesmo a chegar.
            O Sr. Cristóvão apressou-se a ir-lhes ao encontro, levando também os filhos, “vocês os dois, venham daí comigo”, e passado pouco tempo, muito pouco tempo, entraram.
            Rute manteve-se propositadamente de olhar baixo no decorrer da panóplia de cumprimentos, e só os levantou quando Eduardo Fonseca, o doutor, lhe foi apresentado: ela gostou do que viu, e principalmente, gostou de ver que ele tinha gostado do que lhe foi dado a ver.
            Durante todo o tempo que decorreu a visita, Rute pôde sentir o olhar ardente de Eduardo fixo em si. Mas ela não cruzou o seu olhar com o dele, absteve-se disso, obrigou-se a isso.
            Foi com um profundo sentimento de alívio que Rute viu a visita chegar ao fim, com a despedida de ambos os Fonseca, pai e filho.
            Rute viu também a breve troca de palavras efectuada entre o velho Xavier Fonseca e o pai, o Sr. Cristóvão, e dessa vez o seu olhar ficou preso no olhar de Eduardo: mas por pouquíssimo tempo, pois aqueles olhos castanhos queimavam.
            Também naquela noite Rute pouco ou nada dormiu: aquele olhar tão intenso ainda lhe queimava a alma: até parecia que Eduardo estava ali, no escuro do seu quarto, a olhá-la.
            No dia seguinte, e enquanto tomava o pequeno-almoço, foi com surpresa que Rute viu o seu pai ausentar-se apressado e com poucas palavras.
            Na verdade, a pressa do Sr. Cristóvão tinha razão de ser: na véspera, no final da visita e durante as despedidas, o velho Xavier Fonseca manifestara interesse em falar com ele, logo pela manhã.
            Na certeza de isso representar um bom augúrio, foi com ligeireza que o Sr. Cristóvão se apresentou na casa apalaçada do velho Xavier Fonseca.
            E mais uma vez o seu instinto não o enganara: o velhote chamara-o para lhe comunicar do interesse do filho em tornar-se uma visita assídua lá de casa, nomeadamente da sua filha Rute.
            Mas é claro que ele, o Sr. Cristóvão, e toda a sua família, muito especialmente a sua Rute, fariam o maior gosto na visita do senhor doutor, uma pessoa tão distinta! … A sua simples presença encheria a sua humilde casa de orgulho… É claro que teriam todo o prazer, todo e mais algum, na sua visita…
            Foi com enorme satisfação, a esfregar as mãos de contentamento, que o Sr. Cristóvão entrou em casa. À interrogação muda de D. Geraldina, o Sr. Cristóvão acenou, quase que imperceptivelmente, com a cabeça.
            E foi com um sorriso doce que D. Geraldina chamou Rute, para lhe comunicar que Eduardo Fonseca ia passar a ser, a partir daquele momento, visita lá de casa.
            Por muito que Rute tentasse negar, a verdade é que ela viu-se invadida por um sentimento de euforia. E por mais que ela tentasse combatê-lo, mais aquele sentimento teimava em crescer.
            Não demorou muito para receber a visita de Eduardo Fonseca: aconteceu poucos dias depois, a meio da tarde: ó Sr. Doutor, que prazer, que enorme prazer… Mas porque é que não nos avisou? … Aceita um cházinho com um pedaço de bolo, não é verdade? … Rute, serve o Sr. Doutor…
            Eduardo olhou guloso para Rute: pronto, pronto, já chega… Humm, este bolo está muito bom… Foi a menina Rute que o fez? … Não? … Mas tenho a certeza que é uma excelente cozinheira… Bom, findo isto, será que a menina Rute me poderá dar o prazer da sua companhia num passeio pelo jardim? …
            Rute corou de prazer: tenho que pedir licença aos meus pais… Papá, mamã, tenho a vossa autorização para um passeio no jardim, acompanhada pelo Dr. Eduardo? … Tenho? … Ah, sim, claro… O Jacinto e o Viriato também vão…
            Foram os quatro, uns atrás dos outros, numa autêntica romaria: primeiro a Rute, seguida do Dr. Eduardo, e mais atrás, Jacinto e Viriato.
Então, Dr. Eduardo, que me diz da nossa terrinha agora?
                        Que lhe digo? …
            Pois… Esteve tantos anos fora… Acha que está muito diferente?
                        Não… Nem por isso…
            Ah… E as pessoas, que é que o Dr. Eduardo acha? … Sim, porque essas, de certeza, que estão diferentes…
Sim… Essas mudaram, não haja dúvida alguma… Mas também, tudo muda, não é verdade? … Veja a menina, por exemplo…
                        Eu? …
            Claro! … Só um cego é que não vê… Quando me fui embora, ainda brincava com bonecas, e agora, vejam só, transformou-se numa linda mulher…
                        Assim eu coro! …
            Então, core… Ainda fica mais bonita…
                        Não diga isso…
                        Ai, digo, digo.
            A serio?… O Dr. Eduardo acha-me bonita? …
            Primeiro, não é Dr. Eduardo, é só Eduardo. Afinal, já nos conhece-mos há alguns anos… Segundo, sim, a Rute é muito bonita e sabe isso muito bem…
            Rute sorriu, meio envergonhada, mas muito satisfeita: o Eduardo achava-a bonita! … Iupi!…
            Como a temperatura estava a descer rapidamente, foram para dentro, onde, antes de se despedir, Eduardo lhe perguntou se a podia voltar a ver.
            Correndo o risco de parecer demasiado ansiosa, Rute apressou-se a responder afirmativamente.
                        Então, até à próxima… E Eduardo beijou-lhe a mão, num gesto sedutor.
                        Adeus… Rute ficou fascinada com o calor dos lábios dele nas costas da sua mão, e quando ninguém estava a ver, pousou os seus lábios no sítio onde os lábios dele tinham tocado.
            Aquela visita foi a primeira de muitas, de tal ordem, que já se dizia por todo o lado que o Eduardo Fonseca e a Rute Morgado andavam de namoro pegado.
            Pois, as pessoas falavam, mas nada era oficial.
            Até aquele dia em que, para além de Eduardo, receberam também a visita do pai, o velho Xavier Fonseca. Primeiramente, o Sr. Cristóvão e os dois Fonseca, pai e filho, tiveram uma conversa a sós. Depois, a mãe de Rute, D. Geraldina, foi convidada a juntar-se à conversa. Finalmente, os quatro chamaram Rute à presença deles. E tudo para lhe comunicar que Eduardo os tinha honrado com o pedido da mão dela, Rute, em casamento e que eles, os pais, tinham mostrado o seu agrado. Mas a decisão final era dela e só dela, se bem que os pais estavam certos de que a sua menina ia tomar a decisão certa, pois eles bem sabiam o que tinham andado a criar. Pronto. O que é que Rute tinha a dizer? …
            Ela limitou-se a acenar com a cabeça, mas sentia-se contente, feliz até: Rute realmente gostava de Eduardo: só não gostava muito do pai dele, o seu futuro sogro… O raio do velho olhava para ela cá de uma maneira… Mas se calhar era tudo imaginação dela, pois se ele era pai de alguém como Eduardo, é porque não era assim tão mau: não podia, de maneira nenhuma…
            A data do casamento ficou logo acordada, e a notícia depressa voou por tudo o que era sítio ali à volta.
            Rute gostava cada vez mais de Eduardo e só lamentava que os dois nunca tivessem qualquer momento a sós, pois os irmãos, Jacinto e Viriato, disso se encarregavam: deixa estar, minha filha, que depois de casada, vais ter todo o tempo do mundo… E muita sorte tens tu, por ainda poderes falar com o teu futuro marido… Quando foi de mim e do teu pai, nem isso! … Só conseguimos falar depois de casados, é verdade… Portanto, como podes ver, estás-te a queixar de barriga cheia…
            Resignada, Rute contava os dias que faltavam para o grande dia, e, verdade seja dita, nem foi de grande ajuda à mãe no tocante à escolha do vestido: ó Rute, por amor de Deus! … Mas afinal, quem é que vai casar? … Toma atenção, rapariga! … Olha que este vai ser o dia mais importante da tua vida, vê lá se atinas…
            O grande dia, o dia do seu casamento, era já no dia seguinte e Rute dava o seu último passeio na condição de solteira, juntamente com Eduardo: meninos… Sim, vocês… Jacinto e Viriato, bolas, eu vou casar já amanhã, será que é pedir muito que me deixem em paz? …
            Muito a contragosto, eles foram-se embora.
Ouve lá, Rute, será que fizeste bem? …
            Claro! Mas tu duvidas? … Até parece que gostavas daquele par de jarras sempre atrás da gente…
É claro que não gostava, e tu sabes muito bem disso. Mas…
                        Mas, o quê, Eduardo? …
            Nada, nada… Só não sei se me vou conseguir controlar…
                        Então, não controles…
            O quê?!… Estás a brincar comigo, não estás? … Só podes…
                        Não estou nada…
                        (…)
            A sério que não estou! … Afinal, não casamos amanhã? …
                        Sim…
            Então, que diferença faz? … Mais um dia, menos um dia…
Rute… Rute, Rute, não brinques com coisas sérias…
                        Não estou a brincar.
            Não estás? … Tu realmente não te importas…? … Não, não! … Não está certo! … O casamento é já amanhã, podemos esperar mais um bocadinho…
                        Eduardo…
                        Não.
                        Eduardo…
            Não.
                        Eduardo!
                        Hã? …
                        Eu quero! …
                        Queres…? …
                        Sim.
                        Tu realmente queres…? …
                        Quero.
                        De certeza? …
                        Sim! …
            E pronto! Foi assim que aconteceu, no jardim do pai dela, na véspera do casamento.
            Rute não evitou um sorriso pleno de malícia quando se viu ao espelho, de vestido branco e flores de laranjeira: se soubessem, oh, se apenas soubessem…
            A cerimónia, efectuada pelo padre Novais, o mesmo que a tinha baptizado, realizado a cerimónia da Primeira Comunhão e também do Crisma, correu bem: a pequena igreja da terra estava completamente enfeitada com flores silvestres e todas as pessoas presentes lhes desejaram muitas felicidades.
            Depois de marido e mulher, Rute e Eduardo foram viver juntamente com o pai deste último: o velho Xavier Fonseca fez questão: façam lá esse agrado a um velho… E depois, a casa é tão grande… Espaço é coisa que não lhes vai faltar… E depois, Eduardo, tens aqui o teu consultório… Minha querida nora, veja lá se consegue convencer este cabeça dura do meu filho…
            Ainda que não totalmente satisfeita, e algo inquieta, Rute lá convenceu o marido a aceitar a oferta que o pai dele lhe fazia.
             Na primeira manhã na sua nova casa, foi com enorme satisfação que Rute se olhou ao espelho e viu o aro de ouro no dedo anelar da sua mão esquerda: casada, já era casada: já não era a menina Rute Morgado: era sim, a senhora Rute Fonseca.
            Foi até à varanda do seu quarto, e dali viu o jardim: era bonito: não tão bonito quanto o da sua, quer-se dizer, da casa dos seus pais, mas ainda assim, era bonito. Óptimo! Era da maneira que já ia ter alguma coisa para fazer: trabalhar no jardim! … E se ela gostava de jardinagem… Isso era um gosto que o pai, o Sr. Cristóvão, lhe tinha transmitido, pois se o jardim da sua antiga casa andava sempre impecavelmente arranjado, isso devia-se a nenhum outro que não o seu pai.
            Rute estava tão absorta a divagar, que nem notou quando alguém se aproximou dela e a abraçou por trás.
Bom dia! … Como está a minha querida esposa, neste seu primeiro dia de uma nova vida? …
                        Oh, és tu… Acordei-te? …
            Não! … Não acordas-te nada… Mas ainda não respondes-te à minha pergunta…

                       Que pergunta? …

                        Oh, Rute, com franqueza…
            Ah, aquela da nova vida…          
            Exactamente! …
            Então, pode o meu esposo ficar descansado, que eu me sinto muito bem! …
            Assim é que é falar! …
            Descemos, para tomar o pequeno-almoço? …
            Claro, mas não nestes trajes, não achas? …
            Oh, sim, tens toda a razão. Toda e mais alguma. Realmente é melhor vestirmo-nos primeiro, porque se o teu pai nos vê assim arranjados, quem estava bem arranjado era-mos nós… Havia de ser o bom e o bonito! … O homem ainda tinha um ataque de coração, ou coisa parecida… O que vale é que tu és médico…
            Rute…
            O que foi? …
            Olha que essa foi muito mazinha…
            Oh! … Vamos mas é nos vestir, para ir comer…
            Agora é que falas-te bem! … Estou cá com uma fome…
            Também eu! …
            Ainda brincavam e riam quando desceram para tomar o pequeno-almoço e se juntaram ao velho Xavier Gouveia: ora, cá estão os pombinhos… Bons olhos os vejam…
                        Bom dia, pai.
                        Bom dia, senhor meu sogro.
            Rute não podia evitá-lo, era mais forte do que ela: aquele homem, o pai de Eduardo, inquietava-a. Cada vez mais.
            E se nas primeiras semanas não passou disso menos, duma inquietação, não faltou muito para se transformar em certeza: agora Rute podia afirmá-lo com franqueza: ela não gostava do sogro, mesmo nada. O homem era esquisito...
            Escusado será dizer que nunca Rute comentou tal assunto com Eduardo, o seu marido: afinal, sempre se tratava do pai dele e ele podia não gostar.
            Mas Rute estava firmemente convencida de que se não pensasse muito no assunto, o mesmo iria acabar por cair no esquecimento. Até porque aquilo tudo podia não passar de uma mania maluca dela...
            Mas não.
            Um dia, enquanto o marido estava no consultório, Rute estava no jardim, de cócoras, a cuidar das suas muito amadas flores, quando alguém se aproximou por trás, meio sorrateiramente.
Bons olhos a vejam, minha muito querida nora.
            Rute levantou-se de um só salto.
Bom dia, meu sogro, como está o senhor?
                        Bem, bem...
            Silêncio.
Vejo que está a cuidar do jardim...
            Sim, é verdade. Espero que o senhor não se importe.
                        Importar-me, eu? E porquê?
            Bem, esta sempre é a sua casa...
            Oh, minha querida, primeiro que tudo, deixe-me dizer-lhe que esta também é a sua casa. E depois, como é que eu me podia importar, se eu nunca vi o jardim desta casa mais bonito?...
            Assim o meu sogro vai fazer-me corar...
            Essa agora, e porquê, se eu não estou a dizer mentira nenhuma?... Digo-lhe mesmo mais: em tudo o que a menina toca, fica mais bonito. Veja o meu filho...
            Olhe que exagera...
            Não exagero nada. Nunca vi o meu filho mais feliz.
Silêncio, novamente.
            Será que a minha querida norinha não quer fazer o mesmo por mim?
            Como?...
Não podia ser, Rute recusava-se a acreditar nos seus ouvidos: seria mesmo possível o sogro lhe ter feito a proposta que ela julgava que lhe tinha sido feita?... Então não queriam cá ver... O raio do velho estava a tentar meter a foice em ceara alheia... Ceara essa que era do filho, do próprio filho, ainda por cima. Quer dizer, Rute não era nenhuma ceara e muito menos tinha dono, mas era casada com Eduardo. E só com Eduardo.
Vai-me com certeza desculpar, mas eu realmente não percebi. O que é que o meu estimado sogro disse?...
Nada, nada...
E o homem afastou-se.
E agora?... Rute estava num dilema: deveria ela dizer a Eduardo o que se tinha passado?... Depois de pensar muito, pesar bem todos os prós e os contras, achou por bem nada dizer. Afinal, que provas é que ela tinha? Resumia-se tudo à palavra de um contra a palavra do outro. Mais a mais, o sogro nem sequer lhe tinha feito qualquer proposta explícita: ela é que tomou aquela frase, “será que a minha norinha não quer fazer o mesmo por mim”, como tal... Não, Rute não ia dizer nada, ia ficar muito bem caladinha, pois ela não queria causar problemas e mal estares, longe dela tal ideia... Mas a partir daquele momento, uma coisa ela sabia: ia ficar de olho no sogro, ai ia, ia.
E se depressa o pensou, mais depressa o fez.
Não importava o que ele fizesse ou fosse, os olhos de Rute pareciam duas lamparinas eternas a alumiarem o seu mui estimado e respeitável sogro, Xavier Fonseca.
Mas foi com alívio que Rute pôde verificar que não mais o seu sogro tentou ou insinuou algo que ultrapassasse as fronteiras do considerado normal e habitual nas suas relações.
Esse infeliz e momentâneo assunto acabou mesmo por cair no esquecimento.
E foi com enorme alegria que, passados alguns meses, Rute recebeu a notícia de que estava grávida.
Notícia essa, aliás, viabilizada pelo próprio marido, após este último ter-lhe pedido insistentemente, por fim exigido, umas análises ao sangue e à urina, pois ultimamente achava-a algo esquisita.
E se a D. Geraldina, numa das suas amiúdes visitas, já tinha alertado a filha para um possível estado se esperanças, devido à já por várias vezes repetida ausência das regras de Rute, mesmo assim foi com alguma incredulidade que ela acolheu a notícia da sua gravidez.
E alegria, muita.
Na verdade, foi uma notícia que não deixou ninguém indiferente: antes pelo contrário: Eduardo estava delirante com a perspectiva de ser papá, o seu sogro fazia planos mirabolantes para o neto ou neta, os seus pais estavam extasiados com a futura descendência, enquanto os futuros tios Jacinto e Viriato já só pensavam nas brincadeiras e traquinices que por aí vinham.
            Estás feliz?, Eduardo quis saber.
            Muito, Rute respondeu.
Sim, ela estava feliz, muito, mas também assustada, não menos. Sem saber porquê, algo dentro dela tremia. Mas ao mesmo tempo Rute abanava a cabeça, e tentava desdramatizar: aquilo era só nervoso miudinho de estreante, nada mais.
E preferes rapaz ou rapariga?, Eduardo perguntou.
            E tu?, Rute, por sua vez, quis saber.
            Não tenho preferência, ele disse, E tu?
            Também não. O que importa é que venha com saúde...
            Isso é que é verdade.
Silêncio.
            E já pensaste nos nomes?, Eduardo finalmente perguntou.
            Se for menino gosto de Artur e se for menina gosto de Raquel. O que é que achas?
            Óptimo.
Nos meses que se seguiram a barriga de Rute crescia, parecia, de dia para dia e, não obstante todos os muitos cuidados que todos lhe dispensavam e Eduardo lhe dizer que estava tudo a correr bem e como previsto, nem assim aquela sensação de medo, que primeiro se manifestou aquando da notícia da sua gravidez, abandonava Rute. Por mais que ela tentasse combater esse sentimento, era sempre, ela sabia-o, uma batalha perdida. Logo à partida.
Não importava.
Importava sim a criança que crescia dentro dela. Essa é que era a batalha, a última batalha, que lhe interessava ganhar, que ela tinha que ganhar. Mais que uma batalha, uma guerra, a guerra. E Rute queria fazer o sinal de vitória.
            Haviam ainda os muitos enjoos, as constantes tonturas, mas de nada disso Rute fazia conta. E não compartilhava isso com ninguém. Nem com a mãe nem com o marido, acima de tudo, não com o marido. Nunca.
            Rute não queria, não podia dar parte de fraca perante o marido.
            Não que Eduardo tivesse alguma vez feito algum comentário ou tomado alguma atitude menos abonatória. Não, não, nada disso: muito antes pelo contrário.
            Mas Eduardo era médico e se Rute compartilha-se com ele o que estava a passar com ela, no corpo e na alma, ele iria, com toda certeza e mais alguma, ficar preocupado, muito preocupado e exigiria que ela fizesse uma quantidade infindável de exames.
            E isso Rute não queria. De maneira alguma.
            Eduardo estava tão feliz com a perspectiva da paternidade, que Rute não queria, não podia estragar-lhe a felicidade, apagar-lhe aquele ar de contentamento do rosto.
            Mas também, Rute sempre tinha ouvido falar de histórias de enjoos e desmaios durante gravidezes, portanto, ela não era a primeira e de certeza que não seria a última.
            Como tal, Rute não iria incomodar o marido com aquelas patetices.
            E assim o tempo passou, os meses voaram.
            Rute estava já no sétimo mês de gravidez.
            Sozinha, no jardim, a cuidar das suas flores, foi repentinamente acometida por uma dor forte, aguda, que parecia trespassá-la. Rute, a custo, conteve o grito que lhe aflorou os lábios. Procurou um banco para se sentar. Foi quando sentiu as pernas molhadas. Olhou para baixo e foi quando o tal grito se soltou.
            Florinda, a criada, acudiu a correr, vinda da cozinha.
Que se passa, minha senhora? Sente-se bem?
            Rute nada disse. Apenas olhou para ela, o medo e a aflição a desfigurarem-lhe o rosto bonito.
            Florinda, ao aperceber-se da situação, também ficou assustada.
Eu vou chamar o senhor doutor.
            E saiu a correr.
            Rute ficou sozinha. Mas não por muito tempo. Eduardo apareceu logo a seguir.
Calma, tem calma, que vai tudo correr bem. Eu estou aqui.
            Sim, Eduardo estava ali, ao lado dela. Rute sentiu-se segura.
            Depois... bem, depois Rute só se apercebia de algumas coisas que estavam a acontecer à volta dela, rasgos de lucidez. Foi assim que se deu conta da presença de sua mãe, D. Geraldina, que segurava sua mão e lhe passava com um pano fresco pela testa, enquanto lhe murmurava palavras ao ouvido.
            Mas as dores, as dores...
Só mais uma vez, vá lá, só mais uma vez e o bebé sai.
            Rute ouviu Eduardo dizer.
            Num último esforço, Rute ajudou o seu bebé a nascer.
Pronto. Já está. É uma menina, uma linda menina.
Ouviste Rute? Temos uma filha.
            Mas Rute já não o ouviu.


Raquel


            Raquel olhou para a paisagem que se estendia à sua frente e sorriu, com um sorriso triste.
            Era o dia do seu aniversário, fazia 18 anos, mas não era dia de festa. Nunca tinha sido, nem podia.
            No dia em que devia celebrar o seu nascimento, assinalava-se também outra coisa, uma coisa bem mais triste: a morte de sua mãe. A mãe de Raquel tinha morrido ao dá-la a este mundo, tinha passado a sua vida para ela.
            Isso, esse conhecimento, fazia Raquel remoer-se por dentro de tristeza e remorsos, pois sentia-se culpada. Não o era e ela sabia-o, mas aquilo era mais forte que ela.
            Também nunca ninguém lhe tinha imputado qualquer culpabilidade, pelo menos directamente, mas Raquel sentia fundo na alma as acusações silenciosas.
            Enquanto crescia Raquel sempre adivinhou que tinha, forçosamente, que ver alguma coisa com o desaparecimento deste mundo precoce da sua mãe. Lia-o nos olhos do seu pai – pai, sempre pai, nunca papá... Por isso, quando finalmente lhe disseram a verdade, aos 12 anos, Raquel não ficou surpreendida.
            Tinha crescido rodeada por homens: do lado paterno, o pai e o avô, do lado materno, os tios Jacinto e Viriato.
            O pai nunca tinha voltado a casar, nem nada que se parecesse: candidatas não tinham faltado, algumas das quais Raquel até gostava bastante e teria ficado muito feliz se a união abençoada acontecesse, mas não: nunca tal teve lugar: era como se o pai de Raquel tivesse fechado todas as portas à felicidade e deitado fora a chave. Aquele homem só vivia para uma coisa: a sua profissão. Era médico.
            Quanto ao avô, viva com Raquel e o pai. Não deixava de ser um velhote simpático, se bem que às vezes o comportamento dele dificilmente pudesse ser caracterizado de normal. Não poucas vezes Raquel dizia para consigo que o raio do homem já estava cheché. Especialmente quando ele se sentava no banco do que outrora tinha sido um lindo jardim e se punha a admirar as flores inexistentes. Coisas da idade, assim pensava Raquel.
            Finalmente, os tios Jacinto e Viriato: dois adoráveis solteirões já cinquentões. Raquel sempre se lembrava de ver os tios perdidamente apaixonados por alguma, fosse quem fosse, nova ou velha, magra ou gorda, alta ou baixa, bonita ou feia. Não importava. Mas aqueles amores eram de marés: ora alta, ora baixa, ora alta, ora baixa, ora alta, ora baixa... Mas com aquela parelha por perto não havia tristeza que persistisse. Por isso Raquel tinha uma adoração sem limites pelos tios.
            Depois de suspirar fundo, foi para a casa dos tios que Raquel se encaminhou: pelo menos o ambiente seria mais alegre que o lá de casa, onde ninguém lhe tinha dado os parabéns sequer.
            Ultimamente cada vez era mais penoso para Raquel estar em casa, respirar o mesmo ar que seu pai e avô. E por isso, Raquel martirizava-se, pois não obstante o amor que dedicava ao pai e avô, a verdade era que algo a impelia, irremediavelmente, para fora daquela casa que era a sua: era como que se tivesse omnipresente a certeza de que se Raquel não fugisse, a sua alma também iria ser corroída por aquela tristeza melancólica, qual doença altamente contagiosa.
             Que diferença na casa dos tios!... Ali, Raquel sentia-se bem, amada, desejada. Não que em sua casa a fizessem, deliberadamente, sentir mal, mas... Mas, mas...
Ora viva, quem é uma flor!... Oh Jacinto, anda cá ver quem deu à costa...
Olha a minha sobrinha favorita...
            (Ao ouvir isto, Raquel não pode evitar um sorriso: ela não era a sobrinha favorita: ela era a única sobrinha.)
                        ... O que te traz por cá?
            Nada, nada... Raquel só tinha ido visitar os tios porque lhe tinha apetecido... Ou agora precisava de algum motivo especial?
            Ora essa, era claro que não!... Aliás, ele e o seu irmão Viriato faziam sempre muito gosto na visita da sobrinha dilecta.
            Oh mano, por falar nisso, hoje não tínhamos qualquer coisa para fazer?...
            Hoje?... Para fazer?...
            Sim, mano, não te lembras?...
            Mas é claro, o mano Viriato tinha toda a razão... Toda e mais alguma...
            Ao ouvir estas palavras, o rosto de Raquel ensombrou-se: também ali se tinham esquecido do seu aniversário. Também ali ninguém lhe ia desejar feliz aniversário.
Que foi, querida?... Parece que ficas-te tão triste assim tão de repente...
Não, tio Jacinto, não é nada... Deixe estar...
Tens a certeza?
Tenho, não se preocupem...
            E Raquel forçou um sorriso.
                        Se tu o dizes...
            Raquel dizia.
            De qualquer maneira, poderia Raquel fazer algo pelos já velhotes tios?
            O quê?...
            Sabes, é que nós já não temos fôlego e precisamos da tua ajuda.
            Para quê?
            Para apagar estas 1, 2, 3, 4... 18!, 18 velas agarradas a este bolo.
                        O quê?!...
            E os olhos de Raquel brilharam ao verem um bolo com a inscrição “Felicidades Raquel”.
                        Não se esqueceram!...
            Eles não tinham esquecido: Raquel vibrava de alegria, transbordava contentamento.
Oh Raquel, mas que raio... É claro que os tios não se iam esquecer do teu aniversário... Um dia tão importante na vida da nossa pessoa mais querida...
            Foi mais forte que Raquel: apesar de toda a bem-aventurança sentida naquele momento, não o conseguiu impedir: lágrimas, lágrimas abundantes. Que lhe corriam céleres pelo rosto.
Ei, ei, ei... Que é lá isso?... Nada de tristezas, hoje é dia de festa, não é verdade, mano Jacinto?
É isso tudo.
            Ao ouvir estas palavras, o pranto de Raquel redobrou de intensidade, pois ela sabia muito bem que aquele não era um dia de alegria para aqueles dois: aquele era o dia em que fazia 18 anos que tinham perdido a irmã. Eles apenas estavam a fazer aquilo por ela, Raquel. E o amor que ela devotava aos tios cresceu.
            Mas havia mais.
Olha querida, tens aqui uma pequena lembrança...
                        Pensamos que vais gostar...
            Os olhos de Raquel fixaram-se num pequeno embrulho.
                        O que é?
                        Vê.
            Foi com avidez que Raquel desfez o embrulho. Viu então surgir à sua frente um livro já velho: Rebeca, de Daphne du Maurier.
                        Esse livro era da tua mãe.
                        Era o livro favorito dela.
            Ao ouvir aquelas palavras, os olhos de Raquel abriram-se desmesuradamente e com mil cuidados abriu o livro: passou então as suas mãos pelas páginas amareladas, as mesmas que a sua mãe tinha tocado, e quis sorver, beber, as palavras que os olhos da sua mãe leram. Através daquele livro, Raquel sentia-se perto da mãe que nunca conheceu.
                        Gostas?...
            Raquel nada disse: ao invés, abraçou o livro e olhou para os tios, nos olhos as palavras que a emoção não lhe deixava dizer. E foi inevitável: começou a chorar outra vez.
                        Ai, ai, ai… Isso é que não!... Se a gente soubesse que ias chorar, não te tínhamos dado o livro, não é assim mano Viriato?
                        É isso tudo.
                        Portanto, vamos lá a tratar de limpar essas lágrimas…
A custo, Raquel conseguiu travar o rio que teimava em correr livremente pelas suas faces, através da secagem forçada da nascente, que afincada e continuadamente brotava dos seus olhos.
Raquel ainda por ali ficou algum tempo, na companhia dos tios, quase até ao anoitecer. E foi com tristeza que viu o sol ir-se esconder atrás dos montes lá longe na linha do horizonte. Esse sentimento de tristeza em que se sentia afogar estava relacionado com a hora: hora de deixar os tios, hora de ir para casa.
                        Tenho de ir para casa, Raquel disse dolentemente, com imensa melancolia a gritar na sua voz doída.
Vai, vai, minha querida. Já se está a fazer tarde.
            Muito a contragosto, Raquel foi. Ali, junto de seus tios, ela sentia-se bem, quase feliz: sentia-se amada, desejada… Que diferença de sua casa… Mas mal estes pensamentos afloraram a mente de Raquel, logo ela se recriminou: não, ela não podia exagerar. Tinha que tentar ser justa: Raquel era amada em casa, ela sabia-o. Apenas tinham uma maneira diferente de demonstrar esse mesmo amor…
            Mas antes de entrar em casa, Raquel quis parar, esconder-se do mundo numa ruela antiga e esquecida, bem perto de sua casa. E ali mesmo, longe de tudo e todos, pode abandonar-se ao que mais queria, ao que lhe roía a alma de curiosidade: sofregamente, avidamente, permitiu-se percorrer os mesmos caminhos que sua mãe tinha já também percorrido. A alma de Raquel estava faminta de sua mãe, mas aquele livro não a saciou: nem de longe, nem de perto.
Não achas que já é muito tarde para andares por aí?
                        O quê?, Raquel assustou-se.
            Só te perguntei se não achas que é já muito tarde para andares por aqui, na rua?, Um rapaz ainda novo perguntou.
            Raquel olhou em volta e viu que já era noite escura.
                        Realmente, tens razão.
            Sim, eu sei, O rapaz sorriu e perguntou, Como te chamas?
                        Raquel. E tu?
                        Diogo.
            Sorriram.
                        És daqui?, Diogo perguntou.
            Nascida e criada., Raquel respondeu. E tu?
                        Ná, só estou de visita.
                        Tens cá família?
            Tenho, mas eu mal os conhecia. Vim mais para fazer a vontade aos meus pais, especialmente ao meu pai.
            E vais estar cá por muito mais tempo?
            Não!, Diogo apressou-se a dizer. Só cá vou estar por mais uns dias.
            E depois?
            Depois?... Ala moço, que se faz tarde. De volta à santa terrinha .
Uma sombra de tristeza toldou todo o semblante Raquel.
                        O que foi?, Diogo quis saber.
            Oh, nada… Raquel disse. É só que ainda agora te conheci e vais-te já embora… E é tão raro encontrar pessoas da minha idade, nesta terra…
            Deixa estar, que a gente ainda se vê. Afinal, eu não me vou embora já amanhã…
Mediante estas palavras, Raquel sorriu.
            Já é noite escura., Raquel falou. É melhor voltar para casa.
            Sim, e eu também tenho que ir. Vejo-te amanhã?
            Sim, pode ser.
            E onde nos encontramos?
            Pode ser aqui.
            A que horas?
            Sei lá… Por volta das dez da manhã?... Ou é muito cedo?...
            Não, pode ser. Amanhã, às dez da manhã, aqui.
            Sim.
            Está bem.
            Então… Boa noite, até amanhã.
            Boa noite, até amanhã.    
Ao entrar em casa, naquela casa onde tinha nascido e onde sempre tinha vivido, Raquel não conseguiu evitar um arrepio na espinha, um estremecimento na alma: era a sua casa, ela sabia-o, mas ao mesmo tempo algo lhe dizia o contrário.
Algo incorpóreo parecia querer empurrar Raquel para fora daquela casa. Ela não sabia explicar, mas sentia-o: algo ou alguém parecia convidá-la a sair. Ou expulsá-la. Raquel só não sabia para quê: para a afogar ainda mais? Ou para salvá-la?
Sem pressa, Raquel dirigiu os seus passos para a sala de jantar, onde com toda a certeza o seu pai e o seu avô já a deviam esperar para o jantar, quase de certeza com a mesa já posta. Era uma mania do pai que a ultrapassava por completo: durante o dia o pai mal olhava para Raquel (talvez para evitar, a qualquer custo, olhar para a causa, ainda que indirecta, da morte da sua muito amada esposa…), mas à noite fazia questão de reunir a família (aquilo assemelhava-se mais a uma caricatura de família, do que a uma família propriamente dita, Raquel amargamente pensou) para o jantar.  
Comeram sem trocar uma única palavra, cada um embrenhado nos seus mais profundos pensamentos. Ou retirados para os seus próprios mundos.
Raquel pediu licença para abandonar a mesa.
Mas mal tocaste na comida. O pai quase que a censurou, como se estivesse a falar com um dos seus pacientes.
Não tenho fome. Ela só queria fugir dali, daquela sala, daquele ambiente que a oprimia e esmagava.
            E para onde vais?
            Para o meu quarto.
Já na solidão do seu quarto, a única divisão daquele casarão onde se sentia mais ou menos segura, Raquel conseguiu respirar fundo de alívio. E finalmente soltar as lágrimas que teimavam em inundar-lhe os olhos. Aquele dia quase que tormentoso tinha chegado ao fim: o dia do seu aniversário. Mas ninguém se tinha lembrado disso, só os tios.
Embalada pela negritude da noite e dos seus pensamentos, Raquel finalmente adormeceu.
Nem durante a noite conseguiu ter paz, o tão almejado descanso: algo, Raquel sentia-se incapacitada para dizer o quê, teimava em inquietá-la e atormentá-la e não a deixou dormir.
Só já bem perto do aproximar da hora dos primeiros raios de luz teimarem em rasgar o manto escuro da noite, Raquel conseguiu encostar a cabeça à almofada e dormitar um pouco – mais por cansaço do que por outra coisa qualquer.
Quando o primeira claridade do dia que se começava a anunciar iniciou, tímida mas seguramente, a invasão para reclamar o seu reino, há já muito que o sono, aquele velho amigo, tinha abandonado Raquel.
Sem querer perder tempo, ela apressou-se a levantar, lavar e vestir. Desceu para tomar o pequeno-almoço, mas na cozinha ainda não se via vivalma. Com um encolher de ombros, Raquel recusou-se a preocupar, pois sabia que a sua ausência não preocuparia nem o pai nem o avô. Enquanto comia, teve a certeza amarga do mais provável: se calhar, a sua família nem ia dar pela sua falta…
Ao sair para a rua, foi saudada por um silêncio gritante, aflitivo e incomodativo. Ensurdecedor. Não se ouvia nada. Não só era ainda muito cedo, como também até os pardais de telhado, aves habitualmente bem madrugadoras, estavam com preguiça em saudar o dia com os seus chilreios.
Normalmente os dias de Raquel, e em especial nas férias escolares, consistia num longo e lento encadear de tempos vazios, num constante arrastar de dias perdidos.
 Só que agora Raquel já não se sentia tão… perdida. Sem que nada o fizesse prever nem adivinhar, uma pequena réstia de não-sabia-bem-o-quê tinha atravessado ou aterrado nos seus dias. Mas ela sabia, ou tentava saber, que Diogo não podia ser a sua salvação: Diogo era só alguém com quem ela poderia falar, não representava a promessa de coisa nenhuma. Até podia muito bem acontecer que Diogo não se desse bem com ela… Isso podia muito bem acontecer! Mas Raquel tinha tanta fome da companhia de outro alguém…
Mas os seus receios, mesmo os mais profundos e até tenebrosos, revelaram-se infundados: Diogo era até muito simpático e divertido, dono de uma personalidade forte e segura, mas afável.
Ao contrário de Raquel, que ainda se sentia meio perdida e assustada com o depois, Diogo sabia bem o que queria: como adorava carros e motores, tudo o que ele mais queria era trabalhar com tudo o que tivesse a ver com o assunto. Quando era mais pequeno, dizia que quando fosse grande queria ser mecânico, mas agora, com o pai constantemente a “martelar-lhe” o juízo com a necessidade de um canudo na mão, tinha arranjado uma forma de aliar as duas vontades, a dele e do pai: engenharia mecânica.
Se um génio te concedesse três desejos, o que é que pedias?, Diogo um dia perguntou, assim de repente.
                        Três desejos?!
                        Sim.
            Mas posso saber a que vem isso agora?
                        Nada demais. Só curiosidade.
            Está bem. Vamos lá a ver, três desejos… Olha, assim de repente, ir a uma ópera, fazerem-me uma festa-surpresa de aniversário com muitos amigos e tocarem uma canção dedicada a mim.
Mediante esta resposta, Diogo começou a rir.
O que foi?. Raquel quis saber, Qual é a graça?
Não é nada. Apenas pensei que fosses pedir o normal.
E o que é normal?
Tu sabes… Dinheiro, saúde, sucesso… Essas coisas…
Se calhar, sou eu que não sou normal, foi a vez de Raquel se rir.
Até aí, eu já sabia, Diogo disse mais para ele do que para Raquel.
            Aos poucos, uma cortina de silêncio desagradável e atrapalhado começou a instalar-se entre os dois, até que Diogo a rasgou, primeiro devagar, depois depressa.
Sabes, havia um desejo que eu estava com esperança que dissesses, mas não.
                        Que desejo?
                        Sair daqui.
            Raquel estremeceu.
Porque é que estás a dizer isso?, ela perguntou com medo da resposta.
                        Amanhã vou-me embora.


 Rebeca

            Com o sol ardente quase a cegá-la, Rebeca fez uma pala com a sua mão direita, para melhor proteger os seus olhos azuis-claros da cor daquele céu, da luz estridente.
            Sem saber muito bem – ou mesmo nada! – o que fazia ali, onde Judas tinha perdido as botas, Rebeca suspirou muito fundo.
                        Se calhar, é do choque, ela disse baixinho, para mais ninguém ouvir.
            A sua mãe tinha morrido recentemente, vítima de doença prolongada. Ao evocar na sua mente estas mesmas palavras, “doença prolongada”, Rebeca não conseguiu evitar uma risada tristemente descontrolada, quase histérica. Qual “doença prolongada”, qual carapuça! Porque é que as pessoas teimavam em não chamar as coisas pelos nomes, numa vã e infrutífera tentativa de dourar a pílula? Cancro! A sua mãe tinha morrido de cancro!
            Rebeca sempre se sentiu muito desejada e amada. Teve uma infância feliz, recheada daqueles momentos que se tornam nas memórias mais acarinhadas, e rodeada de uma família que sempre lhe almejou nada menos do que o melhor.
            Filha única, sempre teve a consciência de ser extremamente mimada. Mas nem sempre levava a dela avante: também ouviu uns ruidosos e bem sonoros “não!”. E nem sequer podia ser de outra maneira. Uma coisa era ser mimada, outra, bem diferente, era ser estragada.
            Os pais amavam-se de verdade e Rebeca sabia-o: via-o, sentia-o.
            Apesar de não ter irmãos, tinha muitos primos. Desses, tinha bastantes. Aliás, a família de Rebeca era bem grande, enorme. Mas coisa curiosa, era tudo do lado do pai. Avós, tios, primos, era tudo paterno.
            Assim que teve idade para começar a questionar o estado das coisas, frequentemente Rebeca perguntava à mãe se não tinha ninguém, alguma família, do lado dela. Mas quando se apercebeu da infinita tristeza e da imensa dor no fundo dos olhos da sua mãe sempre que lhe fazia estas famigeradas e já gastas perguntas, ela parou com as questões. E criou certezas: já deviam ter todos morrido, por isso a mágoa e saudade.
            Uma imagem assaltava ocasionalmente a mente e os sentidos de Rebeca: devia ter uns dois, três anos e estava às cavalitas do pai, enquanto passeavam à beira-mar. A mãe acompanhava-os, de mão dada com o pai. Até parecia que Rebeca estava a ouvir os risos soltos e cheirar o salgado do mar.
            Rebeca sempre se lembrava da mãe de mão dada com o pai. Por vezes ela até brincava com isso: a mãe estava sempre de mão dada com o pai, porque tinha medo de ele fugir. Não era nada disso e Rebeca bem o sabia: a mãe… apenas precisava. Do contacto físico, da proximidade: uma fome imensa e uma sede avassaladora de toque. Estava sempre e dar beijos e abraços. A profusão dessas manifestações era tal, que por vezes se chegava a tornar incómoda. Nunca Rebeca manifestou o seu por vezes desagrado, pois bem via o prazer da mãe. Havia, no entanto, um toque-manifestação de que Rebeca sentia imenso a falta: quando a mãe lhe afagava o cabelo, tipo festinhas.
            Quando a mãe começou a ficar doente, Rebeca, a bem da verdade, não se preocupou muito nem ligou grande coisa: aquilo não havia de ser nada de mais, apenas uma coisita passageira.
            E quando os pais a chamaram para falarem com ela, com um ar muito sério, nem aí Rebeca teve alguma suspeita. Aliás, quando ela finalmente soube o que se estava a passar, não conseguiu ficar chocada nem surpreendida: a bem dizer, a sua atitude quase que podia ser confundida com indiferença. O que não podia estar mais longe da verdade. Ela ficou realmente preocupada. E com medo, muito medo: pela mãe, pelo pai, por ela.
            Durante a doença, a mãe sempre tentou manter a doçura que a caracterizavam e quase que o conseguiu, não fora o vazio no fundo dos seus olhos.
            Mas quem mais se deixou abater foi o pai. O seu discurso era pautado pela revolta e pela dor.
            Perante a ameaça que pairava sobre as suas cabeças, mais que uma vez Rebeca se sentiu tentada a novamente perguntar à mãe sobre a sua família, mas nunca o fez: apesar do sentimento de perda de parte da sua identidade que assolava Rebeca (sentia que faltava a outra metade de si), ela permaneceu calada e nada disse. Não queria agitar a mãe.
            Quando o desfecho já anunciado finalmente aconteceu, ainda assim foi depressa demais.
            Não foi sem surpresa que Rebeca ouviu o seu pai chamá-la, com gravidade.
Sim?, ela disse ao entrar na sala.
                        Quero falar contigo.
            Estas palavras fizeram Rebeca estremecer: tinha sido naquela mesma sala que Rebeca soube da doença da mãe. E foi com aquelas mesmas palavras que a maldita conversa tinha começado.
Oh, rapariga, não faças essa cara…
            Rebeca tentou desanuviar a sua expressão facial.
                        Sim?
            Anda cá, senta-te aqui, ao pé de mim.
Rebeca aninhou-se ao lado do pai e ele, automática e distraidamente, começou a afagar o cabelo dela.
Apesar de eu nunca ter dito nada, eu sei que há uma coisa muito importante para ti e que sempre quiseste saber.
Sim?, Rebeca encorajou o pai a continuar.
A família da tua mãe, ou melhor, a tua família do lado materno.
Mas já morreram todos, não já?
Não. Quer dizer, não sei.
Como é que é?, Rebeca admirou-se, Não sabes?
Não, não sei.
Como assim?
Quando eu conheci a tua mãe, ela ainda tinha família. Agora, já não sei.
Que família?
O pai, um avô e dois tios.
            Rebeca ficou calada, sentindo-se atarantada.
Tudo do mesmo lado?, ela perguntou, sem saber que mais dizer.
Não. Se a memória não me falha, o avô era paterno e os tios eram maternos.
Então isso quer dizer…, Rebeca finalmente começou, após um momento de silêncio.
Que a serem todos vivos, tens um avô, um bisavô e dois tios-avôs.
            Houve um novo momento de silêncio.
Mas… mas porque é que a mãe nunca me disse nada?
Bom, o pai suspirou, isso eu não te sei dizer. Posso apenas dar-te a minha opinião.
                        E qual é?
            Penso que a tua mãe nunca te quis dizer nada, porque ela própria queria esquecer.
Mas esquecer o quê?, Rebeca perguntou sem perceber.
Tudo o que ela tinha vivido até então.
Continuo sem perceber…
            O pai sorriu, mas com um sorriso triste.
Ela não teve uma infância propriamente… feliz.
            Perante o olhar interrogativo da filha, ele continuou.
Pelo pouco que eu sei, pois a tua mãe nunca quis falar do assunto e eu sempre respeitei a vontade dela, ela nunca foi muito acarinhada.
O que é queres dizer com acarinhada?
Ela nunca se sentiu amada nem desejada. Nunca foi mal-tratada, pelo menos fisicamente. Mas acredito que se calhar ela até o preferia.
Essa agora, porque é que dizes isso?
Porque isso queria dizer que se importavam.
                        Ah, pois…
            Houve um novo momento de silêncio.
Então, mas a mãe mesmo certo não se dava bem com ninguém da família dela?
Dava-se com os tios. Mas atenção, não quero que fiques com a ideia que a tua mãe sofria maus-tratos. Não sofria. Pelo menos, físicos. Os maus-tratos que ela sofria, eram outros. Mais… subtis.
                        E a mãe dela?
            A mãe dela?, o pai não percebeu a pergunta.
Sim, a mãe dela, a minha avó.
                        O que é que tem a tua avó?
            Ela também não tinha uma boa relação com a mãe?
            O pai sorriu com doçura.
A tua mãe não conheceu a mãe dela.
                        Não?
            Não. A mãe dela morreu no parto.
            Dela?, Rebeca perguntou baixinho, quase que a medo.
Sim, e continuou, Percebes agora porque é que a tua mãe nunca se sentiu acarinhada? Ela sentia sempre que a acusavam, ainda que silenciosamente, pela morte da mãe dela.
Realmente, não deve ser nada fácil crescer com essa… “nuvem negra” a pairar sobre nós…
Exactamente. Tudo isso contribuiu para um maior afastamento e alheamento.
Então mas aquela história dos beijos e abraços…
                        Sim?
            Eu sempre pensei que aqueles beijos e abraços todos eram porque a mãe também tinha crescido com eles.
Não, o pai abanou a cabeça, Nada disso. Aliás, a razão dos beijos e abraços era exactamente o oposto.
O que é que queres dizer com isso?
Não percebes? Como a tua mãe cresceu sem eles, ela não quis isso para ti.
Ah…
            Houve mais um momento de silêncio.
E como é que tu e a mãe se conheceram?
Isso, o pai começou com um sorriso, Foi durante as férias. Fui visitar uns familiares numa terreola qualquer, lá para trás do sol-posto, e ela lá estava, a tua mãe.
E chegaste a conhecer alguém da família dela?
Não propriamente. Sabia quem eram, mas nunca cheguei à fala com eles.
E como é que foi quando as férias acabaram? Vieste-te embora e ela veio atrás de ti ou foste tu buscá-la?
Nem uma coisa, nem outra. Viemos juntos.
Vieram juntos?
Tal e qual.
E a tua família?
A minha família?
Pois. Como é que a tua família reagiu?
Reagiu bem. Quer dizer, ao princípio não acharam lá muita piada. Mas assim que tiveram hipótese de conhecerem melhor a tua mãe, foi tiro e queda: ficaram encantados.
            Pai e filha ficaram novamente em silêncio.
Porque é que me estás a contar tudo isso?
Porque, o pai começou, Eu bem sei como sempre foi importante para ti conheceres a história da tua mãe.
E porque é que nunca disseste nada antes?
Porque a tua mãe não queria. Ela queria esquecer, não lembrar. Eu não concordava, mas respeitava. E respeitei sempre.
Ouve, o pai continuou, Eu sei que tu vais querer conhecer a terra da tua mãe e ver se a família dela, que também é tua, ainda é viva. Eu digo-te o nome da terra, mas peço-te, espera só até ao funeral.
            O funeral já tinha sido, num dia triste e chuvoso, e agora, debaixo daquele sol muito quente, Rebeca olhava a paisagem que se estendia à sua frente e via, bem lá ao fundo, uma povoação cujo casario se recortava no horizonte.
            Resolutamente, Rebeca encaminhou os seus passos para lá.