terça-feira, 3 de julho de 2012

Telas

    
        Ontem há noite sonhei que estava a ser violada. Sexualmente.
        Foi um sonho estranho: eu estava num penso que autocarro, mas logo a seguir já não estava. Estava com três amigas minhas na conversa, até que elas saíram para uma sala – penso que era isso – ao lado. Mas não fiquei sozinha por muito tempo, porque logo a seguir entrou um rapaz: ele era alto, magro, cabelo curto louro com uma popa à Elvis Presley, barba por fazer e fumava uma beata de cigarro. Não tive medo dele: que mal podia ele fazer-me, com as minhas amigas tão perto, mesmo ali ao lado? Eis senão quando, de repente, ele me agarrou e me deitou em cima de qualquer coisa, uma mesa talvez, quem sabe. Arrancou-me as calças, ou saia, ou lá o que tinha vestido, e pensei, ou melhor, soube que ia ser violada. Quis gritar por socorro, mas não consegui. Abri a boca, mas nenhum som saiu. Eu via as minhas amigas do outro lado do vidro, mas fui incapaz de as chamar. Tudo era branco, o tecto, as paredes, as escadas que desciam ao fundo do lado direito e, ele lá estava, de tronco nu, só com umas calças jardineiras de ganga muito ruças, a tirar as alças e a aproximar-se de mim. Foi quando gritei, mas gritei mesmo. Num repente, muitas pessoas estavam à minha volta a perguntarem-me se eu estava bem, e a agarrar e a prender o rapaz.
        Depois disso, já não me lembro de quase nada. Só que todos estavam preocupados comigo, que eu era o centro das atenções.

*

        E há aquele que todos já tiveram: o da perseguição no túnel. Esse, já é um clássico. Com mais ou menos variantes, já todos o tiveram pelo menos uma vez na vida. Eu também.
        Eu ia a fugir desenfreadamente de um rapaz que conhecia de vista, mas com o qual nunca tinha falado. Não sei porque era perseguida, nem muito menos porque fugia, porque bem lá no fundo tudo o que eu queria era ser apanhada. Mas como ele continuava a correr, eu continuava a fugir. O túnel era muito escuro e muito comprido. Lá bem no fundo, a indicar o fim do túnel, via-se uma mancha de luz: uma porta aberta. Quando finalmente a trespassei e mergulhei no dia, encostei-me, ofegante, do lado direito da porta. Enquanto esperava por ele, foi-me dado a observar que estava num lugar semi-árido, somente com um muito grande pinheiro à minha frente. Continuei a esperar por ele, mas ele não veio.

*

        E em relação à morte?
        Também já tive um sonho relacionado com isso. Mais do que com a morte, foi relacionado com o medo.
        Eu estava muito bem em casa a ver televisão, quando aparece uma jornalista a noticiar uma epidemia de uma doença desconhecida, incurável, fatal, altamente contagiosa – o simples contacto com alguém infectado bastava para o contágio – e que se manifestava por manchas muito escuras na pele. Fiquei muito assustada e quando olho para o lado, vejo alguém desconhecido totalmente coberto de manchas escuras. Grito e fujo para o meu quarto. Esse alguém corre atrás de mim e, enquanto tento desesperadamente fechar a porta do meu quarto, o meu perseguidor, perante os meus gritos apavorados, ainda consegue enfiar um braço e tenta, a todo custo, tocar-me.

*

        E há aqueles que agora consideramos ridículos, mas que na altura pareceram-nos terrivelmente assustadores.
        Lembro-me de um assim.
        Ou melhor dizendo, lembro-me de parte de um assim, pois já não tenho presente o inicio: lembro-me apenas que envolvia um ser monstruoso, a quem eu chamei de mulher–polvo (não me perguntem porquê, mas eu acho que esta criatura tinha a ver com o facto de ter visto, em pequena, uma roulotte, numa feira, a anunciar a mulher–aranha - cabeça de mulher num corpo de aranha - e também com o facto de os polvos me impressionarem, pela negativa, em criança, mercê de todas as histórias e lendas). Pois bem, essa mulher–polvo era muito má e destruía tudo à passagem dela. Até que ficou somente um grande muro, feito de pedras velhas, com um portão verde. E então as pessoas escondiam-se: se o monstro passava por um lado do muro, as pessoas passavam pelo portão para o outro, e vice-versa.

*
       
        Também há aqueles envolvendo as figuras clássicas de terror da literatura, tais como o Lobisomem, Frankenstein e, claro, Drácula. E digo claro, porque foi com este último, ou melhor, uma variante de, que sonhei – ou deverei dizer que tive um pesadelo?…
        (Abro só aqui um parêntesis para esclarecer que não me considero uma pessoa especialmente impressionável. Antes pelo contrário, até tenho, como é costume dizer, um estômago muito forte. Apenas não gosto de histórias de terror. Mas não posso esconder uma espécie de fascínio que nutro pela personagem do Conde Drácula. E com isto, fecho o parêntesis.)
        O sonho em si já está um tanto ou quanto obscurecido pelas brumas existentes na minha memória, mas o mesmo não posso dizer do epílogo, que esse está bem presente: eu estava frente a frente com um homem algo atarracado, todo vestido de preto, com cabelo curto muito preto muito untuoso. Lembro-me de sentir algum receio. De súbito, o homem abre a boca e, com a mão direita, puxa uma presa que estava escondida por detrás dos seus dentes frontais superiores: um dente enorme, muito branco, extremamente pontiagudo. Aproveitando a minha surpresa, o homem agarra em mim com ambas as mãos e puxa-me para si, dirigindo-se a sua boca ao meu pescoço. Depois de um momento sem reacção, começo a gritar e a debater-me. Tento afastar-me e começo mesmo a subir pelo meu agressor acima, de maneira a pôr a maior distância possível entre ele e o meu pescoço. Chego mesmo a estar na posição horizontal, com aquela criatura sempre a agarrar-me pelos braços, com os meus pés no peito dele. E sempre a gritar. Mas ninguém ouve.

*

        Há mais.
        É claro que há mais.
        Há sempre mais…

        … Mas isso já é com cada um…